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Isa a Louca percorria as muralhas, um pouco a titubear e muito a trautear umas quadras cantadas, ou melhor, esganiçadas ao desafio, ainda esta madrugada, com o compadre Santal da Confraria dos Amigos do Tintol.
Algo atordoada, encostou-se ao muro que achou estranhamente quente e vibrante. Já perdera a conta às vezes em que, em fins de tardes soalheiras, se amantara àquelas muralhas, guardadoras parcimoniosas de energia solar. Era estranho, de facto, às sete da manhã, após um acentuado arrefecimento nocturno, normal nestes primeiros dias de 2009, sentir ainda este magnetismo de bem-estar.
A Profetiza, amplamente conhecida como tal em toda a cidade de Berço, não se delongou muito sobre o assunto, antes porém, achou que era a hora aritmeticamente certa de fazer jus ao epíteto. Apontou o dedo para os domínios celestes e vaticinou em dó maior:
- Hoje é um novo dia!
De facto, as suas profecias não eram de todo de uma clarividência arrebatadora, mas a ênfase e a convicção com que proferia as palavras faziam dela uma das figuras tipo da cidade de Guimarães.
Daí, lembrou-se que era também conhecida por “ a Poetisa”, pelos versos que fossilizava um pouco por todos os lados, onde as superfícies lhe toleravam a escrita. Possuía um terceiro epíteto, que o próprio nome carregava, mas desse fazia questão em não se lembrar.
Naquele momento, acometida por uma impetuosa inspiração, escreveu na muralha: “ Do nosso adeus faço o meu viver e as minhas memorias…” Não conseguiu acabar. Um tremor de terra sacudiu as muralhas e fê-la recuar instintivamente. O forte espasmo, de alguns segundos culminou numa derrocada de pedras.
Isa a Louca pôs a loucura ao serviço das pernas que voaram pela avenida abaixo e apenas pararam na pastelaria Celeste. O alarido fez com que os ainda pouco clientes matinais acorressem ao local.O espectáculo era, de facto, incrível. Um enorme buraco de provavelmente quase dois metros de diâmetro esventrava a muralha. E o mais inaudito é que tinha a forma perfeita de um coração.
Nos dias que se seguiram os vimaranenses facilmente ouviram Isa a Louca a apregoar:
- A muralha perdeu o coração, a muralha perdeu o coração!
As autoridades competentes, alertadas do sucedido chamaram com a urgência uma equipa de arqueologia do Museu D. Diogo de Sousa.
Já naquela tarde, enquanto a equipa estudava a recuperação da parcela danificada, o Vereador da cultura recebeu uma chamada, a informá-lo que houvera outra derrocada de pedras, desta feita na cripta mortuária, no subsolo da igreja S. Domingos. O mais inverosímil é que a cratera deixada na parede tinha exactamente a mesma forma, embora com dimensões ligeiramente menores: sim, mais uma vez um coração! Se muitos estudiosos e letradas, tinham encarada a semelhança como mera coincidência, agora mostravam um certo pasmo. Havia, alem do mais, um dado curioso. Junto encontraram segmentos de ósseos, provavelmente humanos. Pediu-se a colaboração a Sociedade Martins Sarmento para encontrar alguma causa da natureza geológica, arquitectónica, histórica ou cultural, ou seja uma explicação científica.
Os resultados foram inconclusivos. Sabe-se que os poucos vestígios de muralhas que hoje sobreviveram datam do reinado de D. Dinis, no século XIV. Originalmente, estas estendiam-se por dois mil metros e ligavam duas e ligavam duas portas da cidade e oito torres. Actualmente, apenas resta um extenso pano, sendo o troço maior ao longo da avenida Alberto Sampaio. Sabia-se também que as muralhas passavam junto da igreja de S. Domingos, mas apesar de intensas investigações, ninguém conseguia apresentar uma razão plausível para o sucedido.
Decidiu-se então passar-se à restauração minuciosa da muralha. Mas algo estava errada. Já não havia pedra suficiente para recompor o buraco!
Na câmara, o clima começou a ficar tenso e ate já se falava em cabaça, que isto não podia estar a acontecer, nas vésperas da aprovação do projecto para Guimarães, capital europeia da cultura em 2012. Dai, o vereador receba uma carta anónima que dizia:O Poeta Fernando Pessoa já dizia: “ Pedras no caminho? Guardo-as todas, um dia vou construir um castelo!” Por isso fiquei com algumas, e desde já peço que me desculpem, mas devolvo a carta que encontrei no chão”.
Junto, vinha um papel amarelecido pelo tempo, envolto numa tira de cabedal. O secretário, curioso, esticou o pescoço e ainda conseguiu ler as primeiras linhas, embora a linguagem fosse algo estranha e a tinta quase apagada. Começava assim a missiva, numa caligrafia cuidada, Provavelmente feminina: “ Do nosso adeus faço o meu viver e das memórias sofridas ergueremos dos nossos corações uma muralha que nada do que esta por vir poderá separar. É da minha vontade que…” Neste instante foi-lhe sonegado o direito de continuar a ler, já que o vereador abruptamente dobrou o papel pois lembrara-se que o seu secretario tinha o mau hábito de dar com a língua nos dentes. Agora, o Vereador, aliviado, sabia precisamente o que tinha de fazer. No dia seguinte, foram buscar a pedra que tombara na cripta da igreja a fim de colmatar a falha da muralha. As pedras encaixaram com uma perfeição assombrosa.
A carta encontra-se guardada a sete chaves na Sociedade Martins Sarmento.
Do resto do seu conteúdo nada se sabe ao certo.
Corre o boato veiculado em parte por Isa a louca, que uma donzela da nobreza se teria apaixonado por um plebeu e que se terão matado já que lhes fora negado o direito de ficarem juntos. Teriam deixado como última vontade o desejo de os seus restos mortais jazerem juntos e emparedados nas muralhas que estavam a ser erguidas naquela época, mas que o pai, um muro de orgulho, considerou louco e pedido e que a teria mandado enterrar na Igreja de S. Francisco.
Se vierem a Guimarães e passarem pelas muralhas, dificilmente conseguirão ver alguma cicatriz do sucedido, mas dizem que em noite de lua cheia quando o amor passa de mãos dadas pela avenida Dr. Alberto Sampaio, que se consegue ver o contorno avermelhado de dois corações unidos pois o que o amor uniu não pode o Homem separar…
Era uma vez, numa bela cidade do norte, um Nicolino chamado Nicolau. Era um Jovem esbelto, sociável e inteligente. Uma excelente pessoa que estudava na escola secundaria Martins Sarmento.
Acontece que o Nicolau na sua vida nunca se tinha apaixonado. Seu verdadeiro amor sempre fora as festas nicolinas.
Mal podia o Nicolau imaginar que estas festas nicolinas seriam provavelmente as melhores que já teve ate hoje.
Enquanto o Nicolau se dirigia para a sede dos Nicolinos, do outro lado da cidade um carro estacionava. Era a primeira vez que Matilde vinha ás festas nicolinas. Sempre tivera a curiosidade de ver o porquê dessas festas arrastarem multidões. Aproveitou o facto da sua prima Maria viver em Guimaraes para convencer os pais a deixarem-na ir. Sentia-se ansiosa, pois também não conhecia a cidade e essas duas semanas iriam servir também para isso.
Enquanto esperava a sua prima, olhou a sua volta e espantou-se ao constatar que a cidade era linda, com todos os seus monumentos e edifícios carregados de Historia.
De repente, a chegada da sua prima desperta-a para a realidade novamente. Após as habituais conversas de circunstância, Maria ofereceu-se para lhe mostrar a cidade como só um Vimaranense conhece.
Começaram pela grande referencia maravilha, o Castelo de Guimaraes, passaram pelo paço dos duques e terminaram a visita no centro histórico de Guimarães, ou Oliveira.
Ai, Matilde ficou fascinada com a beleza da zona, a diversidade de casas e as ruas cheia de jovens alegres e bem-dispostos.
Quando decidiu vir conhecer Guimarães, Matilde não pensou que ia gostar tanto de conhecer a cidade que fundou Portugal. Para ela foi uma agradável surpresa.
Nessa noite, 29 de Novembro, as ruas da cidade enchem-se de Gente, unida pelo mesmo objectivo ao som de bombos e caixas seguem pelas ruas da cidade ate ao monumento Nicolino onde enterram o Pinheiro. Nessa noite, conhecem-se pessoas, reencontra-se antigos amigos e novas paixões para alguns. É uma noite em que tudo e permitido, o céu é o limite.
No meio da confusão que acaba por tornar-se o cortejo,Nicolau e Matilde cruzaram pela 1ª vez os seus olhares.Foi provavelmente amor á primeira vista.No meio da confusão tentaram aproximar-se mas a sua tentativa revelou-se infrutífera.
Talvez fosse o destino a negar aos dois apaixonados a oportunidade de um primeiro contacto.
A confusão era tal que os jovens foram afastados bruscamente.
Durante todo o cortejo nicolau procurou desesperadamente a bela jovem que lhe roubara o coração.
Do outro lado,Matilde percorria através do olhar a multidão tentando encontrar o nicolino vimaranense por quem acabara de se apaixonar.
Mas o cortejo acabou sem que os dois jovens se voltassem a encontrar.Regressaram ambos tristes a suas casas com a triste certeza de que talvez não voltassem a encontrar-se.
Passaram dois dias sem que Matilde tirasse Nicolau da cabeça e vice-versa.
Nesses dias,Matilde tomou uma decisão.Decidiu pedir ajuda à sua prima para encontrar o jovem que lhe andava a tirar o sono.
Era movida pela força da paixão que sentia que Matilde abria o seu coração,provavelmente na conversa mais sincera da sua vida,tentando convencer a sua prima a ajudá-la.
Surpreendentemente,Maria aceita ajudá-la de bom grado.Formulou planos para descobrir quem era o rapaz mistério apresentando logo soluções para os problemas que surgiam.
Matilde descreveu-lhe um rapaz vestido com uma camisa branca,um gorro vermelho e verde,um lenço vermelho,calças pretas e sapatos pretos que inexplicavelmente não estava a tocar caixa,limitando-se a organizar o cortejo.
Perante esta descrição Maria sorriu.Quando questionada acerca dessa estranha reacção,Maria respondeu-lhe que encontrar o rapaz seria ainda mais fácil,uma vez que o rapaz que vira era um nicolino.
Eis o que já sabiam sobre ele:era estudante no liceu e fazia parte da Comissão de festas nicolinas.
Não era muito é certo, mas era mais do que Nicolau sabia sobre ela.Enquanto Matilde tentava encontrá-lo, Nicolau pensava na sua musa dia e noite, lamentando não poder vê-la uma vez mais. Para piorar o estado miserável em que se sentia, sentia-se também adoentado. Essa doença levou-o a ficar de cama uma série de dias.
Matilde decidiu que iria procurar o nicolino nas Posses onde havia o magusto.
Na companhia da sua prima, foi às posses e lá procurou por todo o lado, mas não o encontrou. Pensou que talvez não voltasse a vê-lo. Esse pensamento deixou-a triste e decidiu ir-se embora. Nem a sua prima conseguiu demovê-la.
Enquanto Matilde dormia, Maria conseguiu arranjar uma foto da comissão de festas na Net. Sabia que um deles era o rapaz por quem Matilde se apaixonara.
No dia seguinte era o dia do pregão. Quando Matilde acordou, a sua prima mostrou-lhe a foto e num canto lá estava ele. Mas continuava sem saber o nome dele.
Do outro lado da cidade, Nicolau sentia-se curado. Vestiu o seu traje e dirigiu-se às aulas. Sentia-se ansioso para o pregão e as horas insistiam em não passar.
A muito custo, lá chegou a hora do pregão. Matilde e Maria dirigiram-se para o liceu. Após esperarem a chegada do pregão ao liceu, escutaram a sua declamação. Matilde procurava encontrar o seu nicolino, até que a meio do pregão o encontra. A troca de olhares foi intensa e nesse momento ambos perceberam que o que sentiam um pelo outro era mútuo. Enquanto o pregador declamava o pregão, Nicolau aproveitou a confusão e serpenteando entre as pessoas, chegando a Matilde, agarrou-lhe na mão e convenceu-a a segui-lo. Junto ao mural da união, Nicolau confessou-lhe tudo o que sentia e a sua felicidade foi imensa ao perceber que era correspondido. Nesse mesmo mural ficaram a conhecer-se, os seus defeitos, as suas virtudes, os seus gostos… o tempo voava enquanto estavam juntos e cedo chegou a hora da triste despedida. Nicolau tinha de se juntar aos nicolinos e Matilde tinha de se juntar à sua prima que já devia estar a estranhar a sua ausência. Combinaram encontrar-se no dia seguinte nas maçãzinhas. No momento da partida despediram-se com um doce e terno beijo. Nesse momento foi como se o tempo parasse para os amantes. Após esse épico momento, Matilde juntou-se á sua prima e Nicolau aos nicolinos, ambos não acreditando ainda na felicidade plena que sentiam. Acabado o pregão Matilde e a sua prima decidiram ficar em casa nessa noite.
Matilde estava desejosa que a noite passasse rapidamente mas a aurora teimava em não aparecer.
Nem se apercebera que tinha adormecido, só se apercebeu disso quando despertou nessa manhã soalheira.
Maria tinha-as inscrito para irem para as varandas das maçãzinhas. Nessa tarde, já nas varandas, Matilde esperava ansiosa a chegada do seu nicolino favorito.
Já Nicolau mal chegou á praça de Santiago percorreu as varandas procurando a sua princesa do século XXI.
Eis que na varanda do centro, os apaixonados encontraram aquilo que tanto procuravam: o verdadeiro amor.
Nicolau levantou a sua lança na direcção de Matilde oferecendo-lhe uma maçã, Matilde retribuiu a oferta colocando-lhe a prenda na ponta da lança. E isto sucedeu-se toda a tarde, uma vez que parecia só existirem ambos no mundo.
No final, Matilde desceu rapidamente da varanda para cumprimentar o seu cavaleiro medieval.
Até um cego perceberia que os dois jovens estavam apaixonados tal era a intensidade nos seus olhares.
De seguida, Matilde foi conhecer a cidade com Nicolau e gostou mais dessa visita do que a que fez com a sua prima.
Mas, nesta história de amor aparentemente perfeita, havia um senão: Matilde estava de partida no fim das festas nicolinas, e isso era algo que ela omitia a Nicolau. Achava que o amor que viviam seria ensombrado pelo fantasma da sua partida.
Enquanto passeavam pela cidade tendo apenas a companhia um do outro, Nicolau convidou-a para ir com ele ao baile nicolino, convite que ela aceitou. No dia seguinte, no baile dançaram, riram e deram asas á paixão que os unia. Parecia que nada era capaz de abalar o amor que os unia.
No fim do baile trocaram juras de amor eterno e passaram a noite juntos.
No dia seguinte, Nicolau mal acordou procurou imediatamente Matilde, mas do seu lado a cama estava vazia. Em cima da mesa, encontrou um bilhete: “ não penses que não te amo por partir sem me despedir, apenas acho que é mais fácil deste modo.
Não sou de cá, estava apenas de passagem e agora tenho de ir. Nunca te esquecerei Nicolina nem aos momentos que passámos juntos. Amo-te. Da tua sempre Matilde”.
Nicolau deixou cair o bilhete. O mundo pareceu acabar para ele ao perder tão rudemente a mulher que amava.
Sentiu um misto de sensações, uma tristeza tão grande que chegava a confundir-se com raiva.
Nesse instante Nicolau percebeu que talvez na sua vida não voltasse a amar, tal era o amor que sentia por Matilde.
E no fim, tudo voltou ao inicio, Matilde regressou a casa levando na memória o seu amor nicolino e Nicolau regressou ao seu amor de sempre: as festas nicolinas.